A geração "parva" ou a geração da "fava"?

A quem calha a fava deve pagar o próximo "bolo rei". Esta é uma tradição bem antiga na nossa sociedade, e basicamente foi esta tradição que fez da "fava" o fruto do azar na época do bolo rei. E daí dizer-se que a quem calha a fava, que calha o "azar" de ter uma situação complicada ou dispendiosa pela frente. Este é o mote que utilizarei para dar a conhecer o porquê de apelidar a actual geração até aos 30 anos de geração da "fava".

Todos sabemos que a conjuntura económica actual é bastante delicada. A taxa de desemprego em Portugal atinge máximos históricos e todos os dias ouvimos falar no quanto os juros da dívida estão elevados ou como falhamos a nossa execução orçamental. E mais ainda: pegou moda o falar-se da nossa geração jovem, a já conhecida geração "à rasca", "parva" ou "nem nem". Todos os dias os noticiários são inundados por dezenas de casos de portugueses que são obrigados a emigrar, ou então por portugueses que possuem contratos precários e que ainda vivem em casa dos pais. Vamos a factos:

A população desempregada em Portugal tem vindo a aumentar substancialmente desde 2001. Mas se analisarmos o desemprego por nível de escolaridade completo, percebemos que o principal grupo responsável pelo aumento do desemprego, não é o grupo dos formados com ensino superior mas sim o grupo com escolaridade ao nível do ensino básico. Apesar do número de desempregados com escolaridade ao nível do ensino superior em Portugal ter aumentado em mais do dobro desde o ano 2001, o peso dos licenciados no total dos desempregados em Portugal é de "apenas" 10,6% do total. Apesar de sabermos que existem milhares de jovens a sair do país, o mais preocupante é percebermos que são os jovens que ficam aqueles que terão de pagar as dívidas acumuladas ao longo dos anos.

A "fava" da actual geração jovem (ainda!) não é o drama do desemprego. É o saber que terá de lidar com um stock de dívida pública que aumentou em termos nominais 5508% entre 1980 e 2009, um aumento explosivo em menos de 30 anos! Se olharmos para o stock de dívida nominal mas em percentagem do PIB, verificamos que o aumento é de quase o triplo no mesmo período, o que revela a incapacidade da nossa gestão pública em gerar superavits da sua execução orçamental.

Na realidade, pouco importa analisar a dívida em percentagem do PIB, porque o stock da dívida normalizado pelo PIB é sempre um valor escondido da realidade, que é o stock da dívida nominal. Este último representa o valor exacto das nossas dívidas, ou seja, representa o nosso passivo real, aquilo que temos de pagar aos nossos credores, que é um valor absoluto, não escondido atrás da proporção face ao valor do nosso PIB. Isto quer dizer, que as próximas gerações terão pela frente a responsabilidade de lidar com um stock de dívida acumulado que cresceu mais de 5508% face a 1980. Assustador? Não. É apenas a "fava" do bolo que nos calhou...

Comentários

Fábio disse…
Caro Pedro,

Antes de mais parabéns pelo blog, congratulo-te pela capacidade de concretizar os teus projectos pessoais.

Em relação a esta “geração da fava” à qual pertenço, julgo que o enfoque da discussão é permanentemente distorcido pela facilidade dos números. É perfeitamente válido falar de uma dívida que todos vamos ter de pagar num futuro muito próximo (muito provavelmente por subida de impostos directos e indirectos), mas é muito importante que se diga que desta dívida beneficiámos (quase) todos!
•Todos os jovens entre os 20 e os 30 têm algum familiar directo a trabalhar para o estado.
•A maioria de nós tem hoje um curso superior que foi financiado pelo estado (a maior parte do ensino superior em Portugal é público) e pelos nossos pais (quantos de nós trabalhamos durante o curso?).
•O próprio acesso ao ensino superior foi generalizado, existindo hoje cursos e instituições de ensino superior de qualidade duvidosa.
... para falar apenas dos benefícios directamente ligados com a formação superior.

Isto mostra que houve um investimento deste dinheiro (hoje dívida) em alguma coisa que não está a dar o retorno esperado.
Alguém vai ter que pagar as perdas desse investimento e garantir que se fazem melhores investimentos no futuro. Ou seja, esta “geração da fava” em vez de comprar um novo bolo-rei no próximo ano, devia pensar em como fazer um bolo-rei sem fava!

FC
Pedro Janeiro disse…
Fábio, excelente comentário, e obrigado pelas tuas palavras. Claro que para existir dívida, teve de existir gastos públicos, uns mais rentáveis e outros menos. Daqui se levantam várias questões, como, será que toda esta despesa era necessária, ou será que o retorno do investimento público compensará? Pois... hoje, somos confrontados com evidências de que ambas as questões possuem respostas negativas. O problema da nossa alocação de recursos e consequente retorno, é um problema bem mais fundo, que terá de ser tratado com uma análise mais aprofundada.

Para já, o objectivo foi o de apenas alertar para a evolução da nossa dívida nominal ou real (a dívida que não é "mascarada" recorrendo à típica "em percentagem do PIB) e consciencializar os portugueses do montante actual da nossa dívida.
cem disse…
Todos nós, de uma forma ou de outra, tivemos que pagar a dívida que o Estado foi contraindo ao longo da sua história mais recente (últimos séculos), até porque fomos sempre beneficiando daquilo que esse financiamento permitiu edificar ou criar. E recorrendo à história, Fontes Pereira de Melo lançou, a seu tempo um vastíssimo programa de obras públicas, contraindo dívida que nos levaria à insolvência, mas deixou um conjunto de obras que as gerações que lhe seguiram muito beneficiaram.
Com isto pretendo dizer que esta visão, hoje muito em voga, algo miserabilista, de olhar para a dívida pública contraída dos anos 80 até hoje, e pensar que são os jovens que no futuro a irão pagar, constitui uma visão distorcida. Eu (já não sou jovem) também a fui pagando e continuo a pagar, mas muito provavelmente vou tirar proveito bem mais curto das infra-estruturas que essa dívida permitiu lançar, do que os jovens de hoje que têm muitos mais anos de vida à sua frente do que eu.
É algo muito semelhante à questão das reformas. Os jovens de hoje insurgem-se contra o facto de andarem a trabalhar para “pagarem” as reformas dos actuais pensionistas, esquecendo-se que estes também andaram uma vida inteira trabalhando para sustentar as reformas de gerações mais velhas.
Mas já agora permita-me corrigir a forma como privilegia a abordagem do stock da dívida. É que quando olhada em valor absoluto, como o faz, não tem qualquer significado.
Dou-lhe um exemplo. Um quadro superior de uma empresa, com um rendimento anual de 200.000 euros mensais pede um empréstimo para comprar uma casa de 500.000 euros. Um empregado menos afortunado em matéria de rendimentos – aufere 15.000 anuais – pede um empréstimo para os mesmos efeitos de 100.000 euros. Fica com uma dívida 5 vezes inferior. Porém não tenho dúvidas, representa para ele um peso bem maior que a do felizardo quadro superior.
Pois bem, assim temos que raciocinar quando passamos para um nível macroeconómico. O PIB português cresceu, em valor absoluto, entre 1991 e 2009, de 63.684.590 para 168.610.157, enquanto que a dívida pública cresceu de 35.468,000 para cerca de 139.944.500 milhões (cresceram respectivamente 165% e 294%).
Com estes números, mais rigorosos, já podemos tirar conclusões. A mais evidente das quais é que a dívida cresceu cerca de o dobro do PIB, do que decorre que muito do financiamento a que o Estado recorreu não teve a adequada rentabilidade, ou simplesmente foi utilizado em consumo não reprodutivo importado.
Finalmente esclareço porque reporto os dados a 1991: na década de 1980 a dívida pública estava camuflada. Os governos ainda recorriam ao BdP para obterem a necessária liquidez, sem a terem que pagar (excepto as horas extras ao pessoal que operava a célebre rotativa produtora de notas). Mas, claro, pagávamos depois nós na inflação que atingia valores que chegaram aos 20%. Como as actualizações salariais eram feitas no ano seguinte, ao longo do ano em curso íamos perdendo poder de compra que chegava àqueles elevados montantes.
Os dados aqui referidos foram retirados, por comodidade, do banco de dados da PORDATA.