Nós e os outros - a Demografia (parte 2)

Portugal não se encontra actualmente a viver apenas uma crise económica. Portugal está já há muito tempo a viver uma verdadeira crise demográfica. Os efeitos ainda não se fazem sentir, porque as alterações demográficas são muito subtis em períodos de relativa paz e estabilidade social. Mas a longo prazo os efeitos serão devastadores. E porque digo isto? Bem, atentemos neste simples pensamento: simplificando, uma economia é tanto mais rica, quanto mais agentes económicos tiver e mais riqueza estes conseguirem produzir. Os agentes económicos que podem construir riqueza são três: o particular, a empresa e o Estado. Todos eles têm um orçamento para gerir, todos eles podem investir e todos eles podem recolher frutos dos seus investimentos.

Mas centremos a nossa análise no agente económico básico, a célula de toda e qualquer estrutura económica: o particular. Sem pessoas, não há mercado. São as pessoas que formam as empresas, e são as pessoas que as gerem. Se não há pessoas, dificilmente haverá mercado. Portanto podemos afirmar que as pessoas são a célula de uma economia, a unidade básica do sistema. É por isso importante assegurar o crescimento da demografia, até para gerir as tensões sociais proporcionadas pelos actuais sistemas de segurança social. É importante assegurar também o crescimento demográfico de uma nação, para assegurar a própria identidade nacional, coesão social e o mercado interno. Um mercado interno saudável é sinal de prosperidade económica para todos.
Se atentarmos no gráfico sobre o crescimento da população em 2009, verificamos que da amostra seleccionada, Portugal é o penúltimo país com a pior taxa de crescimento demográfico, só mesmo superado pela Alemanha que teve um crescimento negativo da população nesse ano. Portugal contrasta com o crescimento acentuado da população em Israel e na Irlanda, dois países cujas taxas de crescimento económico têm sido muito elevadas ao longo das últimas duas décadas. O preocupante é que a Alemanha já anunciou medidas para combater o cenário de contracção demográfica, como a contratação de 50 mil jovens licenciados vindos de outros países europeus (como Portugal) enquanto Portugal, por sua vez, está a perder cada vez mais e mais jovens, que rumam para outros destinos à procura de novas oportunidades profissionais.
É por isso que Portugal é já em 2009, o quinto país da amostra com a maior taxa de envelhecimento da população. O número de pessoas com mais de 65 anos representa quase 18% do total da nossa população. Pior que Portugal, apenas a Suécia, Grécia, Alemanha e Itália.
O ano de 2009 evidenciou o triste envelhecimento de Portugal ao confirmar o país como um dos poucos países do mundo onde a sua taxa de natalidade é inferior a 10 recém-nascidos por cada mil habitantes. Segundo a nossa amostra, pior que nós, só mesmo a Alemanha, e quem nos precede imediatamente é a Itália. Grécia e Espanha são os dois países seguintes com pior registo na natalidade. Curiosamente os quatro países do sul europeu estão nas últimas cinco posições, mas quem lidera o ranking é a "poderosa" Alemanha, o país tido como motor económico da Zona Euro e a maior economia Europeia. Será que estes dados demográficos são um prenúncio do difícil caminho que a Alemanha encontrará pela sua frente? Que poderá fazer Portugal para inverter o lento caminho do decréscimo demográfico?

Apesar de não ocuparmos as últimas posições relativamente ao número de jovens com menos de 15 anos no total da população, é interessante verificar que nos últimos seis lugares estão novamente os quatro países do sul da Europa. A Alemanha surge novamente em último lugar, reforçando, com este dado, a severidade da sua crise demográfica.A crise demográfica é uma crise terrível. É a morte lenta das células do corpo da economia, o definhamento dos definhamentos. Os decisores económicos e políticos necessitam cada vez mais de olhar para esta realidade e actuar sobre a mesma, com fortes políticas de incentivo à natalidade e ao emprego. Porque se é preciso células saudáveis numa economia, também é preciso pô-las a trabalhar.


NOTA: todos os dados foram obtidos junto do Banco Mundial.

Comentários

Carlos Melo disse…
Decorriam os primeiros anos do Século XIX quando Thomas Malthus lançou um alerta perturbante nos seus dois ensaios sobre demografia. A célebre conclusão de que a população mundial crescia em progressão geométrica e a produção de bens alimentares em progressão aritmética. Daí as previsões de catástrofe que foram feitas em relação ao futuro.
Mas Thomas Malthus estava errado. Isto porque ele representa o paradigma de uma visão que ignorava os benefícios da industrialização ou do progresso tecnológico.
Hoje quando analisamos o problema demográfico a longo prazo e o associamos à questão da Segurança Social (mais precisamente das reformas) esquecemos as inovações tecnológicas que estão aí mesmo à porta. Sugiro a leitura do livro “A Física do Futuro” do cientista Michio Kaku.
Quando hoje olhamos para uma fábrica de produção de têxteis estamos habituados a ver uma série de trabalhadoras introduzindo uma multiplicidade de acabamentos no produto final. O futuro, e não muito longínquo, já não terá destas visões, senão nos álbuns de fotografias do passado. Com os avanços da nanotecnologia e robótica o cenário muda radicalmente. Em lugar das senhoras veremos robots. E todas as operações desde a concepção à produção serão geridas por um pequeno grupo de pessoas altamente especializadas tudo manipulando através dos seus computadores. Nos têxteis, nos alimentos, no mobiliário, etc., etc.
Resultado desta revolução tecnológica, hoje a despontar e amanhã uma plena realidade: uma pessoa produzirá então o triplo dos bens que hoje produz. Poucos produzirão muito. Mas poucos altamente especializados. Não admira assim que as grandes economias se queiram preparar para esses novos tempos “importando” trabalhadores especializados, os chamados cérebros.
Resumindo: não se podem fazer projecções sobre a demografia a longo prazo, sem relevarmos a evolução tecnológica. Tanto mais, quanto aquela que se avizinha, ter potencialidades para mudar profundamente a nossa forma de viver.
E já agora uma questão, esta do nosso tempo. Com cada vez menos jovens a nascerem porque é o desemprego uma característica endógena das nossas sociedades, até mesmo com tendência para aumentar?