Charles Ponzi foi um italiano famoso pelas piores razões. No início do século passado, prometia rentabilidades de 100% a 90 dias a quem aplicasse as suas poupanças numa espécie de fundo de investimento gerido por ele próprio. Apesar de Charles Ponzi não ter inventado o esquema piramidal, em que os últimos que entram são aqueles que garantem a rentabilidade dos primeiros que investiram o seu dinheiro, este mesmo esquema acabou por ficar conhecido com o nome de "Ponzi" devido aos elevados montantes investidos nesta mega burla. O "esquema de Ponzi" é hoje um dos esquemas de burla mais estudos na ciência económica, e voltou à ribalta no final de 2008, quando Bernard Madoff assumiu ter conduzido um esquema desta natureza que resultou numa burla de 65 biliões de dólares. Madoff acabou por ser condenado a 150 anos de prisão.
O que diferencia um esquema de Ponzi de um sistema de contribuições para a Segurança Social? Bem, na verdade, apenas a obrigatoriedade e legalidade. O sistema baseia-se no mesmo princípio: os últimos que entram, financiam os primeiros, e o esquema é apenas sustentável enquanto mais e mais novos entrantes puderem trazer financiamento a todos os outros usufruintes.
Em Portugal, o debate político não se tem circunscrito apenas ao défice orçamental e à possível intervenção do FMI ou não para garantir maior sustentabilidade às nossas finanças públicas, através do empréstimo de dinheiro a um custo inferior (mas atenção: é mesmo empréstimo, e não uma doação, pelo que mais tarde teremos de pagar este dinheiro acrescido de juro, mas provavelmente um juro mais baixo que o praticado actualmente pelo mercado). O debate tem-se centrado também muitas vezes na questão da sustentabilidade do nosso sistema de segurança social (leia-se "esquema de Ponzi" da segurança social). Mas para percebermos que o colapso deste esquema de Ponzi está próximo, vejamos os seguintes gráficos:
Ou seja, pela leitura dos gráficos relacionados com a demografia do nosso país, percebemos que o crescimento da nossa população activa, a população que alimenta o esquema de Ponzi da Segurança Social, atingiu a maturidade em 2007, e que daí até agora já iniciou o seu percurso de declínio, o que nos indica que a longo prazo o número de financiadores dos actuais pensionistas será insuficiente, até porque o saldo natural demográfico em Portugal (número de nascimentos a subtrair o número de óbitos) está próximo de zero (em 2009 foi mesmo negativo!) e o saldo migratório (número de imigrantes a subtrair o número de emigrantes) será, ao que tudo indica, negativo já a partir de 2010 (devido ao grande número de jovens que se estão a decidir por uma vida num país estrangeiro).
Ou seja, se a população activa portuguesa não começar a aumentar já e de forma sustentada, o esquema de Ponzi da Segurança Social acabará por colapsar. Podem ser 10 anos, podem ser 20 anos. Não sabemos ao certo, porque dependerá exactamente das medidas que forem adoptadas até lá e dos comportamentos dos saldos demográficos naturais e migratórios. Mas rapidamente teremos de repensar a forma como podemos alimentar e gerir este esquema. A história já nos demonstrou que um esquema de Ponzi torna-se sempre, mais cedo ou mais tarde, insustentável. Portanto, o melhor a fazer, é arranjar já uma forma de combater esta injustiça intergeracional, abolir a obrigatoriedade da contribuição para este esquema, e transferir os actuais pensionistas para um novo sistema financiado por um imposto provisório, dizendo desde já a todos os mais novos que jamais poderão sonhar com uma reforma garantida, pois tal visão, a não ser que a população activa cresça, jamais se confirmará. Caso contrário, a solução passa por aumentar as contribuições dos mais novos e/ou prolongar a idade da reforma. Será a melhor solução? Parece-me que não.
Comentários
Sou aluna na Faculdade de Economia do Porto e estou a realizar um trabalho, para Seminário II (disciplina do 3.º ano), sobre a Aplicação do Esquema de Ponzi no Contexto Macroeconómico e Internacional (nomeadamente, no caso Madoff).
Deparei-me com o seu blog e respectivo post sobre O Esquema de Ponzi e gostaria de lhe colocar umas questões que me elucidassem e facultassem outros pontos de vista, para a conclusão do meu estudo.
Pretendo formular um modelo matemático que descreva a dinâmica dum fundo de investimento que prometa mais que aquilo que realmente pode cumprir, ou seja, um Esquema de Ponzi. Especificamente, as variáveis que utilizarei serão: Taxa de juro; Fundo inicial; Tempo; Velocidade de Novos Fundos; Yield to maturity (períodos); Taxa de retiro dos fundos.
1. Que outras variáveis poderei utilizar para complementar o modelo?
2. Em relação ao caso da Segurança Social (que é um Esquema de Ponzi, mas "legal"), que soluções praticáveis sugere para que se evite o futuro colapso da mesma?
3. Qual a explicação que apresenta para o facto de O Esquema de Ponzi da Segurança Social durar há tanto tempo? Estará relacionado com o não crescimento dos depósitos?
4. Que atitude terá (ou deverá ter) a camada jovem da população portuguesa em relação à sua contribuição actual para a Segurança Social, se não existem perspectivas futuras de retorno?
5. Qual a rapidez com que novos depósitos, num Esquema de Ponzi, devem entrar para que o ciclo de financiamento não termine?
Agradeço o seu tempo.
Cumprimentos,
Mariana Falcão de Castro
Relativamente ao seu trabalho, e através da interpretação das suas variáveis, penso que quantitativamente explorou grande parte das variáveis predominantes na análise deste tipo de esquemas. Gostaria no entanto de a sensibilizar para as variáveis mais intangíveis ou qualitativas, as variáveis que podem condicionar decisivamente o sucesso e a dimensão do esquema de ponzi. Estas variáveis estão relacionadas com aspectos sociais/relacionais e emocionais. Um esquema de ponzi sobrevive mais tempo quanto mais pessoas conseguir atrair para este esquema. Essa relação de atractividade dá-se principalmente por:
* Desejo de lucro/retorno acima da média do praticado no mercado (isto é, acima da média praticada pelas instituições financeiras acreditadas)
* Propensão positiva ao risco (quanto mais os potenciais investidores tiverem um perfil de propensão ao risco, mais procurarão investir em fundos extremamente arriscados)
* Notoriedade do fundo (número de potenciais investidores que conhecem/sabem da existência do fundo)
* Reputação do fundo (destaco particularmente esta última, decisivamente a mais intangível; ninguém investirá o seu dinheiro se não confiar/acreditar na credibilidade do fundo ou da pessoa que o gere)
Em relação às suas outras questões:
A sua segunda questão, penso que pode encontrar algumas respostas no texto do blog.
Na sua terceira questão, apenas quero dizer que o esquema de ponzi da segurança social só ainda subsiste pela legislação/obrigatoriedade ainda existente, e porque ainda é sustentável (isto é, as receitas superam as despesas). Mas isto só se verificará enquanto até certo ponto.
Em relação à população jovem, posso afirmar que a mesma se deve consciencializar que efectivamente não terá um grande retorno, ou decisivamente, não terá direito ao sistema de pensões de reforma (pelo menos igual ao que conhecemos hoje). A população jovem tem de encarar os actuais descontos para a Segurança Social como uma obrigação legal, mas tem de se unir e introduzir na agenda política este debate. Mais ainda: a população jovem tem de começar hoje a preparar as suas poupanças para o futuro, pois estamos perante o início de uma mudança de paradigma: da obrigatoriedade legal em termos de trabalhar até aos 65 anos (ou 67, daqui a talvez cinco anos), para o fim dessa obrigatoriedade (talvez dentro de 20 anos), onde um trabalhador pode sair do mercado de trabalho quando quiser, pois já não existirão obrigações legais para se manter na população activa.
Por último, questiona-me sobre a rapidez com que novos fundos devem entrar num esquema de ponzi para este subsistir. Bem, isso depende naturalmente apenas de duas coisas: da taxa de rentabilidade praticada/prometida e da saída de fundos. Num exemplo extremo: se não for prometida rentabilidade, não existe a necessidade de captação de novos fundos. Quando maior a rentabilidade prometida, mais novos fundos serão necessários para alimentar a restante pirâmide. E se existir saída de massa monetária, então a compensação de entrada de fundos assume um carácter duplo: a necessidade de repor os fundos saídos e a necessidade de financiar a rendibilidade prometida. Caso isto não se verifique de forma continuada, então este é o início do fim do esquema de ponzi.
As melhores sortes para o seu trabalho,
Cumprimentos,
Pedro Janeiro
a sua 2º questão é a mais delicada, pelo que, o meu amigo aqui não consegue responder, porque a resposta não é politicamente correcta...
Quando estavamos no ISEG uma colega uma vez disse: a resposta é mandar os velhos para campos de extermínio.
óbvio que isso não irá acontecer...Mas veremos grandes problemas sociais a surgir, como hoje já vimos, abandono dos mais velhos, velhos a morrerem sozinhos e/ou a trabalhar até a morte...
Nós não podemos nem deveremos deixar que isso aconteça, nem nos desresponsabilizar como o meu amigo diz: "e transferir os actuais pensionistas para um novo sistema financiado por um imposto provisório, dizendo desde já a todos os mais novos que jamais poderão sonhar com uma reforma garantida, pois tal visão, a não ser que a população activa cresça, jamais se confirmará."
Because we too will get older
3º - Pergunta, o Sistema dura, porque até meados do anos 90 o Mundo viveu 50 de pós 2ºGuerra de crescimento económico mundial principalmente nas economias ocidentais bem como o Baby-Boom.
4º Pergunta - Como uma pessoa de Wall Street uma vez me disse esqueçam o Estado, Comecem a Poupar e a Investir. Iremos começar ( e a SS já faz isso) a criar fundos financeiros que asseguram a estabilidade das reformas. É seguro? Não, mas é melhor resposta
5º Pergunta - Já foi muito bem respondida: "a necessidade de repor os fundos saídos e a necessidade de financiar a rendibilidade prometida. Caso isto não se verifique de forma continuada, então este é o início do fim do esquema de ponzi."