Nós e os outros: a Saúde (parte 2)

Os gastos com a saúde devem ser encarados de forma estratégica numa sociedade. Além das sociedades mais desenvolvidas enfrentarem problemas com o progressivo envelhecimento da população, o que implicará necessariamente mais gastos em despesas hospitalares, o investimento em serviços de saúde de qualidade permite aumentar o bem-estar da população e importar pacientes contribuindo para o desenvolvimento do mercado da saúde como um eixo de crescimento estratégico para o país.

Obviamente que todos os governos se preocupam em garantir os melhores serviços de saúde possíveis. E isso tem levado a nossa sociedade, nos últimos anos, a procurar melhorar as infraestruturas hospitalares e a formação de pessoal médico. Mas segundo dados da OCDE, falta-nos percorrer um longo caminho para estarmos ao nível dos países mais desenvolvidos.Vejamos o primeiro gráfico, com o número de camas disponíveis nos hospitais por cada mil habitantes. Os dados de 2009, mostram que Portugal é um dos quatro países da amostra onde existe menor capacidade de internamento. São pouco mais de 3 camas por cada mil habitantes, algo que contrasta com a Alemanha que lidera o ranking, com 8 camas por mil, quase o triplo da capacidade portuguesa. Com menos que nós, só mesmo a Espanha, o Reino Unido e a Suécia.

A falta de infraestruturas no sector da saúde em Portugal é conhecida desde há muitos anos, e de acordo com essa constatação, generalizou-se a ideia de que falta tudo no sector da saúde, desde equipamentos a médicos. Mas de acordo com o segundo gráfico, Portugal é o segundo país da nossa amostra com maior número de médicos por cada mil habitantes, um "pequeno" paradoxo num dos países que menos investe em saúde por habitante de acordo com o indicador de PPC (ver texto neste blog "Nós e os outros: a Saúde parte 1).
Portugal supera em muito o número relativo de médicos de outros países mais ricos como o Reino Unido, Luxemburgo ou a Finlândia, algo que muitos julgam ser impossível mas que evidencia bem a realidade nacional. A antiga Ministra portuguesa da Saúde, Ana Jorge, chegou a dizer que o problema de Portugal não era o da falta de médicos mas sim o da falta de médicos no Sistema Nacional de Saúde Pública, já que muitos médicos preferem abandonar o serviço público e dedicarem-se ao sector privado. Seja como for, se existir de facto um problema com a escassez de profissionais de medicina em Portugal, acima de tudo esse é um problema de distribuição, e não de escassez como comprovado pelos dados da OCDE.
Já em relação ao número de enfermeiros, os dados da OCDE destacam a relativa escassez destes profissionais no nosso país. Portugal é agora um dos quatro países da nossa amostra com menor número de enfermeiros por cada mil habitantes, ficando-se em quase 50% abaixo do país líder que acaba por ser a Suécia com quase 15 enfermeiros por cada mil habitantes. Portugal está neste campo muito abaixo da média da OCDE, o que evidencia um claro subaproveitamento dos profissionais formados nesta área no nosso país, uma vez que muitos deles têm sido forçados a emigrar pela falta de perspectivas de emprego no sector português.

Por último, um indicador não menos importante. Dado que existem menos enfermeiros e mais médicos em Portugal face às médias da OCDE, seria de esperar que os médicos portugueses estivessem sobrecarregados com consultas. Mas os dados do número de consultas por habitante mostram que Portugal é o segundo país da nossa amostra com menor número de consultas! Quase um terço em relação ao líder Hungria e metade do que é praticado na Alemanha.
O estado do sector da saúde no nosso país revela grandes contrastes face às médias da OCDE. Temos muitos médicos mas são pouco aproveitados. Investimos pouco e temos poucas infraestruturas. Gastamos demasiado em medicamentos mas não aproveitamos os enfermeiros que formamos. Estes contrastes levam a que seja necessário repensar o sector da saúde, mas de longe podemos afirmar que se gasta demais em saúde, ou que temos médicos a menos. A análise comparativa revela-se fundamental na procura por melhor eficiência nas políticas públicas em Portugal.

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